A JUSTIÇA DO TEMPO OU NO TEMPO DA JUSTIÇA

    Talvez essa seja uma discussão extremamente polêmica, tenho a certeza que muitos vão dizer que concordam inteiramente com o que aqui vai ser apresentado, por outro lado, outros vão dizer que é um absurdo e que não é possível trabalhar com o modelo que aqui será apresentado.

    Essa matéria vai tratar diretamente de nossa Justiça Brasileira e o que precisa ser feito com muita urgência para que ela sobreviva aos tempos modernos e possa oferecer a resposta com a celeridade e uniformidade que seus usuários requerem e precisam.

     A grande discussão hoje é a presença da Inteligência Artificial nos mais diversos segmentos do mundo moderno, desde nossas casas, nos transportes e até em nosso trabalho. O fato é que a Inteligência Artificial veio para ficar, por mais que parte da sociedade venha combatendo sua presença, em especial, no mercado de trabalho.

    Sabemos que o surgimento de novas tecnologias sempre assusta e, como não podia deixar de ser, sempre surgem aquelas discussões sobre como vai ficar o mercado de trabalho? Quantos ficarão desempregados com isso e, por fim, será que vou perder meu emprego quando utilizarem AI no meu setor especifico?

     Mas, esse é sempre o primeiro momento, pois, se voltarmos no tempo vamos lembrar quando surgiu a obrigatoriedade do uso do cinto de segurança, todos diziam que se sentiam presos e, em caso de acidente, não conseguiriam sai do carro, mas, na prática foi ao contrário, quantas mortes foram evitadas?

     Quando surgiram os computadores pessoais, também conhecidos como PC, alguns diziam que aquilo era uma bobagem, puro modismo e que não agregava nenhum valor ao seu cotidiano, porém, a prática nos mostrou mais uma vez ser diferente dessa corrente pessimista, pois, hoje quem vive sem um computador? Lembrando que os processadores chegaram ao ponto de ocupar os celulares.

      O professor Calestous Juma, da Universidade de Harvard, em seu livro “Innovation and Its Enemies: Why People Resist New Technologies”, afirma que seres humanos tem o hábito de atrasarem seu próprio progresso. Essa afirmação está baseada no fato de a história estar repleta de inovações que geraram resistência antes de se tornarem essenciais na vida cotidiana.

       Entre as afirmações de Juma está a de que as pessoas não temem a inovação simplesmente porque a tecnologia é nova, mas porque a inovação frequentemente significa perder uma parte de suas identidades ou estilos de vida. Alguns dos elementos básicos utilizados pelo ser humano para construir a tal segurança.

       Mas, a pergunta é Por que estamos falando disso?  E a resposta é bem simples, porque ao abordarmos esse assunto relativo ao emprego de tecnologias digitais, em especial, princípios de Inteligência Artificial junto a Justiça, irá se levantar uma multidão para combater o assunto, somente com a frase! “É…aqui na Justiça não tem como fazer isso… imagina! “. “As coisas não são bem assim em Direito, tem muita coisa subjetiva! ”, “Que absurdo! Querem acabar com a profissão de advogado e pior querem colocar um robô como juiz, veja se pode uma coisa dessa…?

        E o que julgo mais grave é que essa legião parte de dentro do próprio meio Jurídico, daqueles que mais sofrem com o estado que a Justiça se encontra atualmente, já ouvi de tudo, todas as críticas possíveis com relação ao emprego da tecnologia digital na Justiça.

       Então… vamos pensar! Quando procuramos a Justiça é porque temos uma questão que sozinhos dentro do campo da discussão das ideias ou negocial, não conseguimos alcançar êxito, com isso, procuramos os Tribunais para resolver a questão em especial a quem cabe definir o direito sob o rigor das Leis.

      Nesse momento, o que mais desejamos é que essa questão se resolva com a maior celeridade possível, a um custo baixo e respeitando a uniformidade nas decisões, mas, na realidade o que encontramos hoje? Uma justiça abarrotada de processos, juízes enlouquecidos na tentativa de dar conta, tudo isso a um custo altíssimo e, por fim, sem necessariamente haver uma uniformidade nas decisões, pois, como percebemos não são poucos os casos semelhantes e que recebem decisões diferentes dependendo do entendimento do juiz que julgou ou da habilidade do advogado em acusar ou defender seu cliente.

         Opa…!!!! Estamos andando na contramão do que a sociedade espera da Justiça, e isso vem se agravando a cada dia, o que certamente acende uma luz vermelha que nos obriga a apensar e entender qual o caminho deve ser seguido para que tal quadro se reverta o mais rápido possível.

          Portanto, é esse o tema dessa matéria, um pouco dessa reflexão e o que estamos vendo como solução e mesmo que alguns acreditem que me transportei para dentro da Enterprise no filme Jornada nas Estrelas, na verdade vamos demonstrar que não é nada disso, e que estamos mais perto do que nunca em ver na prática o que se propõem nessa matéria.

          Portanto o que aqui me proponho é discutir o emprego da tecnologia digital em busca de solução para os problemas enfrentados pela Justiça e suas possíveis soluções, então, vamos começar a problematizar esse mundo para que tenhamos uma aproximação da realidade do que acontece dentro dessa estrutura.

          Iniciamos nossa análise sob a ótica da vazão de processos, ou seja, a real capacidade dos Tribunais lidarem com o número crescente de novos processos e sua real capacidade em dar “terminalidade” a esses, com seu julgamento em última instância.

          Nesse prisma, podemos identificar que os Tribunais se mostram cada vez mais deficitários no trato da resolução dos conflitos dentro de um lapso temporal satisfatório à todas as partes.

          Sabe-se que a origem dessa deficiência está centrada no excesso de demandas que chegam aos Tribunais, além, da atuação das partes em excessos de recursos admitidos por nossos Códigos, levando a um processo que trata de uma simples causa a ser resolvido longos anos após sua distribuição.

           Fica evidente que os modelos processuais desenvolvidos por estudiosos no assunto não se mostram adequados ao tratamento de volumes, na verdade o que eu quero dizer com isso é que os modelos individualmente são perfeitos, mas, submetidos a altos volumes se mostram lentos e deficitários.

           Devido a essa deficiência para tratamento de grandes volumes, agregado ao aumento do número de novos processos que a Justiça, no todo, vem experimentando acabam por sobrecarregar a estrutura jurídico/organizacional daquelas Cortes, decorrendo, assim, a elevada taxa de congestionamento processual, como podemos verificar na figura abaixo.

                    Fonte: CNJ – DATAJUD (nov/2023)

           Nesse caso, entende-se como taxa de congestionamento a razão entre o total de casos que tramitaram dentro de um período base e os casos pendentes ao final desse mesmo período.

           O que se pode afirmar é que isso não é um evento isolado, pois, quando se analisa a série histórica, constata-se que trata-se de um comportamento que vem se mantendo constante já há tempos e que demonstra uma tendência de agravamento.

           Essa taxa se repercute para os usuários da justiça como uma longa espera no trato de suas demandas, o que gera insatisfação em quem anseia por uma solução ágil de seu conflito, ao passo, em que concomitantemente turva uma das atribuições do CNJ no campo da justiça – buscar celeridade dos serviços dos órgãos do Judiciário.

          Assim como foi possível ver no painel acima, existe uma forte demanda reprimida, e que os tribunais não serão capazes de administrá-la no futuro sem um forte apoio da Tecnologia, com o emprego de modelos baseados em Inteligência Artificial, em especial, aqueles suportados pelos pilares de “Machine Learning” e “Deep Learning”.

          Não faz muito tempo que o CNJ implementou o Processo Judicial Eletrônico – PJE, o que foi um grande passo nesse mundo da Tecnologia, pois, eliminou o deslocamento até um Tribunal por parte do advogado para distribuir ou acompanhar um processo, facilitou a visualização do andamento pelas partes, sem contar com a redução do espaço físico de armazenamento daqueles inúmeros blocos de papéis que formavam um processo.

          Para tal, lançou mão do Certificado Digital no padrão da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileiras – ICP Brasil, para que as peças processuais pudessem ser assinadas e para que o advogado fosse univocamente identificado junto ao Tribunal nos processos.

          Porém, se por um lado deu celeridade na distribuição e acompanhamento dos processos com esse aporte tecnológico, por outro, o tempo de tramitação continua submetido a capacidade humana de ler, compreender, interpretar, enquadrar e julgar, o que demanda muito tempo para a solução final de uma demanda judicial, mesmo sendo essa eletrônica, como podemos verificar no quadro abaixo.

                   Fonte: CNJ – DATAJUD (nov/2023)

           Entende-se, para efeito da leitura desse diagrama, como tempo médio pendente, a média do número de dias decorridos entre o início da ação judicial e o último dia do período de referência exibido.

          Esses números corroboram com o colapso para o qual caminha a Justiça caso não sejam adotadas medidas de ordem tecnológica, e que não só padronizem a condução e julgamento dos processos, mas, que também estabeleçam a celeridade que se requer na solução dos conflitos.

          Então, com tudo que foi possível constatar aqui, em uma rápida e sintética análise dos números apresentados, fica a questão: “Como se obter celeridade e aumento de produtividade nos trâmites processuais com o emprego da Tecnologia? ”

         A resposta se forma a partir da possibilidade de nos dias atuais, frente a iniciativa do CNJ em tabular os dados dos processos junto a todos os Tribunais, poder se ter uma grande base de aprendizagem, formada por processos já julgados e, portanto, enquadrados nos dispositivos legais, cujos ritos adotados, para tal, encontram-se persistidos nas peças que compõem o processo.

        Com isso, e considerando essas persistências dos dados dos processos, podemos afirmar que temos nesse conjunto uma grande base de conhecimento e de práticas jurídicas, com a formação de grandes “Data Warehouse”, “Data lake” e “Data Mart”, permitindo, a partir desse ponto, o desenvolvimento de ferramentas que possibilitem a automação da tomada de decisão com o emprego dos princípios de “Business Intelligence” suportados por artefatos de Inteligência Artificial.

         A boa notícia é que já podemos enxergar uma luz no final do túnel para esse problema e, detalhe, não é um trem desgovernado vindo na contramão e, sim, o próprio CNJ que já iniciou movimentos nesse sentido de trabalhar bases centralizadas e de ferramentas baseadas em Inteligência Artificial, cujos algoritmos podem ser treinados facilmente nessas bases quando totalmente constituídas.

         Dentre essas iniciativas podemos destacar o projeto CODEX que trata-se de uma plataforma nacional desenvolvida pelo Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO) em parceria com o CNJ que consolida as bases de dados processuais e, assim, provê o conteúdo textual de documentos e dados estruturados, contando em jul/2023 com cerca de 144 milhões de processos já armazenados.

         Ele funciona como um “data lake” de informações processuais, que pode ser consumido pelas mais diversas aplicações: a produção de painéis e relatórios de inteligência de negócios (business intelligence); a implementação de pesquisas inteligentes e unificadas; a alimentação automatizada de dados estatísticos; e até mesmo o fornecimento de dados para a criação de modelos de Inteligência Artificial.

        Ainda, podemos destacar o SINAPSE que, também, trata-se de uma plataforma nacional de armazenamento, treinamento supervisionado para o emprego de modelos baseados em Inteligência Artificial, controle de versionamento, distribuição e auditoria dos modelos de Inteligência Artificial.

       Portanto, verificamos que o CNJ já caminha no sentido de encontrar a solução para a redução da taxa de congestionamento, através do emprego de tecnologia com fundamento em Inteligência Artificial.

       Porém, ainda se faz necessário que a padronização das decisões em casos seguramente semelhantes seja uma realidade que se distancie do entendimento humano sobre o caso, ou seja, que essa seja pautada unicamente no corpo da Lei sem a sua interpretação subjetiva.

       Para isso, é necessário que se crie uma figura tecnológica que venha gradativamente substituindo as tomadas de decisões do juiz, em casos que se configuram em mero emprego da Lei, para que esse somente trate os casos de exceção ou se dediquem a julgar recursos sobre as decisões tomadas por aquele juiz digital.

       É isso mesmo que você entendeu…! Estamos falando de um juiz robô, baseado em inteligência artificial e, cujo seus algoritmos sempre serão treinados no ambiente de treinamento desenvolvido para tal, a partir dos modelos que o CNP já vem desenvolvendo.

       Esse juiz robô deve utilizar-se de um grupamento de tecnologias diversas, tais como, redes neurais artificiais, algoritmos desenvolvidos, sistemas de aprendizado com ambientes próprios para treinamento dos algoritmos e grande volume de dados (Big Data), distribuídos em “Data Warehouse”, “Data Lake” e “Data Mart”.

       O juiz robô terá seguramente seu emprego voltado a realização de atividades consideradas similares a capacidade cognitiva humana, assim, poderá ser amplamente aproveitado em julgamentos de processos, substituindo o juiz físico, em uma escala de implantação cuja vertente definidora dos passos seguintes, será o grau de complexidade cognitiva e a possibilidade de avanço nas soluções de Aprendizado de Máquina (“Machine  Learning”).

       Parece ficção científica? Mas não é…! Acreditem, estamos chegando perto de soluções como essas, que na verdade irá inaugurar uma nova realidade no que se refere a celeridade dos julgamentos, padronização nas decisões e, por fim, a redução de custos com a Justiça ao longo do tempo.

       Apesar das resistências o tema caminha na celeridade da Tecnologia, muitos são os discursos contra, existem aqueles que conseguem afirmar com toda certeza que não é possível tal realidade junto a Justiça.

       O que se constata é que essas resistências acabam por desnudar o quanto pouco se conhece da realidade de AI, são discussões na maioria das vezes rasas e sem conteúdo técnico, somente um forte discurso que a profissão de juiz e advogado não vai acabar.

        Na verdade ninguém está falando da extinção de carreiras e, sim, do emprego de ferramentas tecnológicas que nos tire da realidade atual de uma Justiça lenta, cara e sem padronização em casos semelhantes devido ao poder da cognição humana, para nos colocar em um cenário de uma Justiça mais justa em termos de celeridade, custo e padrões, onde o homem representado nas figuras do juiz e dos demais operadores do direito possam conviver harmoniosamente com a máquina e toda a tecnologia que orbita a solução.

        Dentro desse pensamento modelamos um ambiente conceitual onde um juiz robô, que carinhosamente denominamos de “JULGAI” (julga + AI) convive harmoniosamente com os humanos, possibilitando julgamentos, recursos e inclusive propiciando um ambiente de simulação do que pode se esperar do seu julgamento, mesmo antes de ingressar com a ação, de modo, que o advogado possa mensurar o grau de êxito do que propõem e, assim, de uma forma mais consciente, possa em um futuro desacelerar o ritmo crescente do número de novos processos na Justiça.

          O modelo macro ambiental do JULGAI é bem simples, pois, o advogado pode simular o grau de êxito de sua medida judicial em um ambiente de simulação, considerando-se os elementos mínimos.

A partir desse ponto decide junto com seu cliente quanto ao ingresso da ação, que se prosseguir nesse sentido, deverá ser distribuída com os elementos jurídicos necessários para a análise do caso frente aos pressupostos da Lei, garantindo-se nesse ponto o importante juízo de admissibilidade, para a seguir o JULGAI, imediatamente, promover o julgamento.

Julgado o caso pelo “JULGAI” e, em conformidade com a maturidade do algoritmo empregado em modelos semelhantes ao caso que foi julgado, o próprio JULGAI atribui um grau de assertividade em sua tomada de decisão, representado em termos percentuais da probabilidade de acerto, que se abaixo de um limite estabelecido pela Justiça, habilitará a opção de recurso para a análise do juiz titular daquele órgão julgador.

Assim, através de um ambiente como esse acima modelado, onde humanos (operadores da justiça) e máquinas (algoritmos baseados em AI) convivem harmonicamente em busca de um objetivo em comum, poderemos com certeza modificar os rumos da Justiça Brasileira em termos processuais, reduzindo-se em escala os custos com o Judiciário atualmente.

Para corroborar com o meu pensamento, sabemos que a Estônia já contava em janeiro de 2023 com 100 robôs exercendo o papel de juízes em causas com valor inferior a 7 mil euros, onde as partes fazem o upload de suas informações relevantes e o juiz robô emite uma decisão de imediato, podendo a parte inconformada recorrer a um juiz.

Por outro lado nos Estados Unidos em fevereiro desse ano, ocorreram os primeiros julgamentos utilizando robôs, esses relativos a multa de trânsito por excesso de velocidade, onde os robôs atuaram fazendo o papel dos advogados.

Em um estudo promovido pelo The Australasian Institute of Judicial Administration Incorporated (“AIJA”) e 6 organizações Australianas, aponta vantagens e desvantagens da utilização da inteligência artificial nos processos judiciais. Os pesquisadores encontraram duas vantagens principais na experiência da Estônia: 1) ajuda os juízes a reduzir o acúmulo de processos; 2) libera os juízes para cuidar de casos mais complexos.

Assim, reafirmo que o conteúdo dessa matéria aponta um dos inúmeros caminhos tecnológicos que podem ser adotados para a solução dos problemas que enfrentamos hoje junto ao judiciário brasileiro, em especial, no que tange a dar maior celeridade na solução das demandas, reduzir os custos e estabelecer padrões de decisão em casos semelhantes.

São inúmeras as soluções baseadas em AI, desenvolvidas pelos mais diversos Tribunais, desde a interpretação de petições iniciais, passando pela identificação de casos repetitivos e chegando até a proposição de minutas de sentenças, talvez, seja a hora de pensarmos no “JULGAI” como um agregador dessas soluções, estabelecendo-se um bloco único em busca de um futuro mais justo por parte de nossa Justiça.

Agora, fica a dúvida, o que prevalece hoje a Justiça do tempo ou o tempo da Justiça?

Gostou do tema? É desafiante mesmo e muito polêmico, mas, só a partir de uma discussão ampla e sincera com toda a sociedade poderemos caminhar em direção da solução, por isso, deixe seu comentário e vamos debater esse tema que merece em muito a nossa atenção.

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